Quando me pediram este texto e me deram total liberdade fiquei com boca a saber a papéis de música. Fui assim tomada de uma súbita e poderosa ressaca antecipada pelo que ainda não tinha escrito, não só pela responsabilidade que esse texto ainda não existente encerrava mas também porque continha em si desde logo uma valente contradição. O que me estavam a pedir seria, para todos os efeitos, um artigo de opinião. E eu estou farta de opinião.
Por Ana Clotilde Correia
CP 4650
Costuma-se dizer que opinião não solicitada é falta de educação. Não que eu seja uma pessoa que por delicadeza possa perder a vida, tenho alguma sensibilidade, sim, é verdade, mas habituei-me a lidar com ela mais ou menos como um superpoder ligeiramente inconveniente. Lamento, mas nisto acho que o problema não sou eu mas és tu, opinião. Opinião omnipresente, cacofónica, nauseante, como uma picareta falante sem botão de desligar. A opinião está em todo o lado, como publicidade não solicitada a abarrotar de uma caixa de correio com o autocolante “Publicidade, aqui não” bem visível. A caixa de correio é a minha saúde mental. Mas também é o jornalismo.
A opinião tem boa imprensa. É fácil dizer-se que todas as pessoas têm direito à opinião, até porque é verdade. A complexidade de muitos assuntos faz também com que o espaço jornalístico recorra a peritos ou comentadores para enquadrarem os factos e as histórias e a diversidade de pontos de vista sobre os ditos. Nada a opor, a não ser a medida. Damos por nós a olhar para um ecrã muito tempo, sempre demasiado tempo, sem que uma notícia tenha sido dada, uma reportagem emitida, em que só foram discorridas opiniões. Essas opiniões são depois editadas e postas nas redes sociais, partilhadas pelas pessoas que pensam da mesma forma para pessoas que da mesma forma pensam, ou, por contraste, para consumo da indignação de quem já se sabe indignado e ainda nem tocou no ‘play’ do vídeo ou no linque do artigo. Esta questão é tudo menos exclusiva do audiovisual, ao contrário de muitas opiniões. Na imprensa escrita, e, em particular no ‘online’, provavelmente porque tem mais espaço para isso, nascem debaixo de pedras opiniões e opinadores de notoriedade e autoridade mais ou menos questionáveis (como esta vossa criada) em textos que por vezes não parecem ter outro propósito que não a partilha nas redes sociais, nem que seja nas do próprio autor.
Há aqui uma relação com o tempo e o espaço, sim. O virtualmente infinito espaço do ‘online’ talvez relaxe os critérios para considerar a publicação de determinado artigo de opinião. E há o excessivo tempo que se dedica a determinado assunto num alinhamento de noticiário televisivo a um nível de monotematismo quase alienante. Chega-se ao minuto 20 de noticiário e ainda não se falou de outra coisa.
Só que por muito elástico, o espaço não é infinito. Se estamos a privilegiar a opinião, estamos a roubar ao jornalismo. São menos as reportagens que vão para o ar, as notícias que são dadas, é a informação que perde. Somos nós que perdemos. Somos nós, jornalistas, que desaparecemos. Por muito que nos convençamos que aquela opinião está a ser moderada por nós, e muitas vezes efetivamente está, mais opinião é menos jornalismo. E no tempo do entrincheiramento nas redes sociais, da polarização – tantas vezes artificial -, do que mais precisamos é de notícias e reportagens que nos permitam aprofundar o pensamento, questionar, pôr-nos no lugar do outro, e conversar. Lembram-se disso, conversar? Precisamos de jornalismo, dos factos e da sua complexidade, para dialogarmos mais e melhor uns com os outros e também connosco mesmos. Em 2009, o artista brasileiro Ygor Marotta começou a escrever nas ruas de São Paulo a frase “Mais amor, por favor”, que rapidamente derrubou fronteiras e se tornou uma máxima à simplicidade do que importa. Pois bem, mais amor ao jornalismo, por favor. Obrigada.